Resistente líder do Brasil está otimista com perspectivas econômicas
Em sua primeira discussão prolongada com um jornalista americano desde 2004, Lula fala de biocombustíveis e planos futuros
Alexei Barrionuevo
Em Brasília
Nos últimos meses o clima político no Brasil é de um caldeirão fervente para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O segundo acidente aéreo mortal em 10 meses provocou em julho uma crise no setor de aviação do Brasil, com muitos críticos dizendo que a inação do governo era a raiz do problema.
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Em agosto, o Supremo Tribunal de Justiça do país acatou a denúncia contra 40 membros do partido político do presidente, que serão julgados por acusações de corrupção em um escândalo que envolveu alguns de seus principais assessores, incluindo seu ex-chefe da Casa Civil.
Mas enquanto Lula, atualmente em seu segundo mandato, concedia uma entrevista de 75 minutos aqui no palácio presidencial, tais preocupações mal pareciam incomodá-lo. Ele estava otimista e por bons motivos.
Apesar das controvérsias, o índice de aprovação de Lula paira acima de 60%. O Brasil, a maior economia da América Latina, apresentou um crescimento de 3,5% ao ano, menos do que outros países em desenvolvimento como a China e Índia, mas uma melhoria acentuada em relação aos anos 90. Os níveis de dívida e o desemprego estão em queda. As reservas estão crescendo. A inflação está a um terço do que há cinco anos.
"Nós estamos experimentando um momento auspicioso no Brasil no momento", disse Lula, 61 anos, em sua primeira discussão prolongada com um jornalista americano desde 2004. "O Brasil está experimentando seu melhor período econômico."
Tal 'boom' somado à sua ampla popularidade entre a classe operária do Brasil forneceram a Lula, um ex-metalúrgico que estudou apenas até a sexta série e que trabalhou em uma fábrica de automóveis, uma resistência política notável.
"Ele é o presidente Teflon", disse David Fleischer, um analista político daqui e um professor emérito da Universidade de Brasília. "Nada atinge o Lula."
Isto inclui os escândalos que a esta altura poderiam ter minado outra presidência. Mas Lula continua negando ter qualquer conhecimento sobre o mais recente, no qual membros do partido do governo são acusados de pagar a deputados mais de US$ 10 mil por mês para votarem projetos defendidos pelo governo.
Ele se recusou a dizer se alguém em particular o traiu. "Há centenas de funcionários ao meu redor que eu nem tenho idéia do que estão fazendo", disse Lula.
Um deles, aparentemente, era seu ex-chefe da Casa Civil José Dirceu que muitos consideram o arquiteto da ascensão de Lula ao poder e que foi acusado de ser o mentor do esquema de compra de votos.
"Eu não acredito que haja qualquer evidência de que o Dirceu cometeu o crime de que está sendo acusado", disse o presidente. "Ele será julgado."
Investimentos
Recém-chegado de uma viagem à Europa, onde promoveu o interesse no etanol de cana-de-açúcar do Brasil e obteve bilhões de dólares em promessas de investimento, Lula estava concentrado na economia.
As exportações de commodities do Brasil como soja e minério de ferro estão passando por um 'boom', em conseqüência da alta global dos preços e da demanda insaciável da Ásia. Em um sinal da saúde econômica do Brasil, enquanto a crise do crédito de risco sacudia os Estados Unidos há poucas semanas, os títulos do Brasil atingiram um grau pouco abaixo de investimento.
Ele disse que a América Latina como um todo se encontra em um momento crítico, em que precisa aproveitar a oportunidade para escorar suas economias, notórias pela má administração e corrupção.
Ao mesmo tempo, ele afastou as sugestões de que deve ser uma força no hemisfério e um maior contrapeso ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que tem atraído agressivamente os holofotes na região como seus acordos de energia e manobras políticas em prol de candidatos de esquerda.
"Nós na América Latina não estamos à procura de um líder", disse Lula. "Nós não precisamos de um líder. O que precisamos é construir uma harmonia política porque a América do Sul e a América Latina precisam aprender a lição do século 20. Nós tivemos oportunidade para crescer, tivemos oportunidade para nos desenvolvermos, mas perdemos tal oportunidade. Assim, continuamos sendo países pobres."
Biocombustível para o mundo
Enquanto Lula segue para Nova York, para um encontro da ONU, ele está promovendo incansavelmente o potencial agrícola colossal e a experiência em energia do Brasil, especialmente no etanol, que o Brasil produz a partir da cana-de-açúcar, uma fonte bem mais eficiente que o milho.
Com grande quantidade de terra cultivável de causar inveja ao mundo, e uma vantagem de 20 anos no desenvolvimento de biocombustíveis, o Brasil é o único país a exportar etanol em quantidade significativa.
Lula prevê o desenvolvimento de uma indústria global de biocombustíveis em 15 anos, com o produto sendo enviado para todas as partes do mundo em navios-tanque por um preço global.
"Eu acredito que o mundo se renderá aos biocombustíveis", ele disse.
Ele encontrou uma platéia receptiva em uma recente visita à Suécia, onde andou em um ônibus movido a etanol em Estocolmo, um dos 600 da cidade, ele disse, que o governo sueco adaptou para uso de biocombustíveis. A Suécia deseja que todos os carros novos rodem com combustíveis renováveis até 2020.
"Nós democratizaremos o acesso à energia", ele disse. "Em vez de 10 países produzindo petróleo, nós poderíamos ter 120 países produzindo biocombustíveis."
Mas até o momento, o acordo de biocombustíveis assinado com o presidente Bush neste ano não produziu resultados concretos. Os dois países concordaram em compartilhar tecnologia e experiência para o desenvolvimento de padrões técnicos.
Uma tarifa de importação nos Estados Unidos, apoiada pelo poderoso lobby agrícola, impede o Brasil de competir com o etanol de milho por uma fatia do mercado americano.
Relações com a Venezuela
As relações costumam ser calorosas com os Estados Unidos. Mas as relações do Brasil com a Venezuela às vezes ficam estremecidas, quando o Brasil parece se esquivar de algumas das propostas de Chávez para maior integração regional.
Mas na entrevista Lula ofereceu um apoio tácito à criação de um "Banco do Sul", que poderia fornecer mais dinheiro para desenvolvimento.
Ele também disse que mais de 50 especialistas da Petrobras, a empresa estatal de petróleo do Brasil, e representantes da Petroleos de Venezuela ainda estão discutindo o projeto de um gasoduto de US$ 15 bilhões para o gás natural que percorreria 8 mil quilômetros, da Venezuela até a Argentina.
Uma pergunta crucial é se existe gás suficiente para torná-lo viável, disse Lula. Na quinta-feira, Chávez culpou novamente a Petrobras pelos atrasos na aprovação do projeto, informou a agência de notícias "Reuters".
História pessoal
O foco na economia é consistente com o deslocamento de Lula para o centro desde que assumiu o governo em janeiro de 2003.
De lá para cá, ele estendeu muitas das políticas econômicas de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, assim como implementou programas como o Bolsa Família, um programa social que visa ajudar os pobres. No ano passado, o programa concedeu ajudas mensais de cerca de US$ 50 para aproximadamente 11 milhões de famílias, representando entre 40 milhões e 50 milhões de eleitores.
A história pessoal de Lula inspira milhões de brasileiros: ele cresceu em uma cidade pobre e posteriormente trabalhou como metalúrgico em uma fábrica de automóveis. Ele encontrou sua vocação como líder trabalhista e político.
Apesar de sua formação educacional modesta e gramática às vezes questionável, sua simpatia pessoal e referências pitorescas ao futebol brasileiro cativaram muitos.
Quando ele deixar o cargo em 2010, disse Lula, ele planeja voltar para São Bernardo do Campo, a cidade operária próxima de São Paulo onde ingressou na política com o sindicato dos metalúrgicos.
"Eu não vou fazer um programa de doutorado na Universidade de Harvard", ele disse, em uma alfinetada em seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, que leciona regularmente na Universidade Brown.
"Quando eu deixar a presidência, a única coisa que quero na vida é ser tratado como amigo por todos aqueles que eram meus amigos antes de assumir o cargo", ele disse.
Tradução: George El Khouri Andolfato
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